A BÍBLIA SOB ESCRUTÍNIO - As Origens...

A BÍBLIA SOB ESCRUTÍNIO - As Origens
[A Bíblia sob escrutínio - Emerson Alves Borges]
Adaptado por Aparecido de Bebedouro

As Origens

Em grande parte das civilizações antigas observamos diversas deidades invocadas para muitos e variados propósitos como abençoar as plantações, ajudá-los em suas guerras, protegê-los de doenças, terem êxito em seus projetos, entre outros assuntos cotidianos. Os babilônicos adoravam Marduc, Ishtar, Tiamat, Tamuz, Ea, Anu, Adad entre outros. Os antigos egípcios adoravam vários Deuses como a tríade Ísis, Osíris e Hórus, o Deus Sol Amom-Rá e até mesmo o rio Nilo, pois graças as suas enchentes estendia-se um vale fértil que dava precioso alimento para aquela nação. Os maias, incas e astecas adoravam o Sol, a Lua, as estrelas e os trovões, por que eram coisas e fenômenos que não entendiam. Aquele estrondoso barulho de um trovão era incompreensível para aqueles primitivos humanos. Parecia-lhes que um Deus falava com eles, um ser superior emitindo sua imponente voz e coincidentemente após sua fala a chuva trazia vida e alimento, tão essenciais para a sua sobrevivência.

Entretanto, a medida que as civilizações evoluíam, seus Deuses tinham que evoluir também, para satisfazer um intelecto de pessoas um pouco mais cultas. Passou-se a entender melhor certos fenômenos naturais e as pessoas não se contentavam mais com Deuses simples e rudimentares. Tornou-se necessário criar Deuses mais complexos, mais interessantes para satisfazer um ser humano mais analítico, mais questionador, assim surgiram os Deuses Greco-romanos, mais pessoais, parecidos conosco, tendo angústias e conflitos. Alguns passaram a interagir conosco, vivendo entre nós, tendo filhos que se tornaram poderosos, filhos de Deuses com humanos, eram fortes, uma força descomunal, como Hércules da mitologia grega ou os Nefilins descritos na bíblia. Surgiram Deuses para satisfazer cada faceta do ser humano, por exemplo, na mitologia grega o amor era personificado por Afrodite, a guerra por Ares, a sabedoria por Atena, a caça e a vida selvagem por Ártemis, a morte por Hades. Havia um panteão de Deuses tendo como pai Zeus e mãe Hera, viviam no monte Olimpo, um lugar muito acima de nós e ali articulações e conspirações aconteciam entre eles, tornando-os muito parecidos conosco.

Paralelamente com este movimento surge entre os povos semitas nômades que viviam na Mesopotâmia entre os vales férteis do rio Tigre e Eufrates, uma nova tendência na religiosidade das pessoas. Surgia a noção de um Deus único, pessoal e perfeito, diferente da cultura helenística. Ele não tinha angústias ou conflitos pessoais, estava bem acima de nós, não apenas na questão de poder, mas também na personalidade, não tinha fraquezas como o ser humano ou os Deuses Greco-romanos. Toda culpa pelo sofrimento humano passa a recair sobre nós mesmos. Surge o conceito de que pecamos contra este único Deus todo poderoso e criador de todas as coisas. Teríamos virado as costas para ele, o rejeitamos, e visto que “não conseguimos” tomar decisões corretas sem a ajuda dele, passamos a sofrer as consequências desse ato de rebeldia.

Movimentos migratórios a procura de novas pastagens levaram certos semitas à região próxima do rio Jordão, região conhecida na época por Canaã. Ali segundo a bíblia, Abraão, patriarca de uma grande e próspera tribo, erigiu um altar e sacrificou um animal para demonstrar a este Deus único que tinha consciência de sua condição pecaminosa e ansiava uma reconciliação. Algum tempo depois tentou sacrificar seu próprio filho segundo ele a pedido de Deus, que no momento do sacrifício intercedeu aceitando um animal no lugar. Este acontecimento viria a influenciar todo um modo de pensar, primeiramente dos descendentes de Abraão que viriam a ser os hebreus (que significa andarilho ou “aquele que atravessa para o outro lado”) ou israelitas, devido ao nome de um neto de Abraão chamado Jacó, também conhecido como Israel. Segundo Abraão, Deus lhe prometeu que entre seus descendentes surgiria um enviado dele, que morreria a fim de redimir a humanidade. Esta promessa influenciou fortemente a linhagem de Abraão, que através dos tempos se tornou uma grande nação. Toda essa crença moldou o Judaísmo, a religião de uma das doze tribos de Israel, a tribo de Judá.

Milênios depois surgiu um pregador entre os judeus e se auto proclamou o Messias que significa ungido ou escolhido. Este personagem influenciou fortemente a religiosidade das pessoas de sua nação. Não pretendia criar uma nova religião, antes tentava reformar um sistema religioso que considerava corrompido. Dava atenção aos pobres e menos favorecidos, condenando os líderes religiosos judaicos que na sua concepção eram hipócritas. Depois de um curto período de pregação, este homem foi preso, torturado e morto às mãos da autoridade romana que na época subjugava toda aquela região. Este triste desfecho causou um grande frenesi entre seus seguidores, que de uma maneira impressionante divulgaram a mensagem de que seu líder havia sido ressuscitado dentre os mortos.

Surgiu assim uma forte tendência religiosa que de uma maneira sutil e progressiva foi tomando o lugar da adoração politeísta de origem grega. Esta mensagem de um Deus preocupado e interessado numa reconciliação, chegando a ponto de enviar um representante para interceder por nós, ou como muitas religiões afirmam, Ele próprio vindo e intercedendo por nós, mostrou-se muito atraente em comparação com os Deuses soberbos e egoístas que se divertiam com o ser humano. Aos poucos esta nova religiosidade foi tomando conta de todo o Império Romano, crescendo de tal forma que em apenas três séculos tornou-se a religião oficial de Roma. Seu poder tornou-se tal que seus líderes religiosos tiravam e colocavam imperadores a seu bel prazer. Diante de tanto poder, seus clérigos ficaram corruptos, veja só que ironia, a mesma corrupção que seu fundador séculos antes combatia. Depois de quase um milênio de abusos como venda de indulgencias, inquisições e cruzadas, explorando o povo e derramando muito sangue inocente, surgiram alguns reformadores que começaram a questionar certos abusos. Homens como João Calvino, Martim Lutero, John Wycliffe e Jan Huss começaram um movimento de reforma que causou muitas divisões. Aparecem assim novas religiões, tentando encontrar aquela original mensagem, porém sem muito sucesso. Entretanto esta crença tornou-se a base da fé de bilhões de pessoas.

Qualquer pessoa que more na Europa ou nas Américas conhece muita bem esta história que resumidamente acabo de contar, porque de uma forma ou de outra a esmagadora maioria de tal população teve sua religiosidade influenciada pelo cristianismo. A figura de Jesus Cristo é amplamente conhecida e reverenciada de diversas formas. Só para se ter uma ideia, os cristãos como são conhecidos os seguidores de Cristo estão subdivididos em vários ramos ou vertentes diferentes. Segundo alguns dados recentes, calcula-se que dos sete bilhões de seres humanos existentes hoje em nosso planeta, dois bilhões professam ser cristãos, destes, um bilhão são adeptos do catolicismo, os restantes estão divididos entre protestantes, anglicanos, ortodoxos, de fronteira, pentecostais, neopentecostais, entre outras. Cada um tem sua própria maneira de interpretar e viver os ensinos de Jesus. Dentro dessas principais divisões existem milhares de subdivisões ou pequenas religiões que diferem em alguns pontos ou dogmas, transformando o cristianismo numa grande árvore cheia de galhos, cada qual defendendo ferrenhamente sua maneira de pensar, infelizmente alguns de forma fanática e intolerante.

Em outra região de nosso planeta encontramos mais de um bilhão de outros seres humanos que professam uma fé diferente da fé cristã. Tudo começou quando um jovem árabe ficou revoltado com o poder exercido em Meca, um influente centro de adoração no oriente médio, onde existe a Caaba, que segundo a tradição islâmica foi originalmente construída por Adão, seguindo um protótipo celestial e depois do dilúvio reconstruída por Abraão e Ismael, seu filho com uma serva egípcia chamada Agar. Trata-se de um edifício em forma de cubo onde se reverencia um meteorito negro. Incomodado e descontente com os ensinos da religião árabe, como o politeísmo e animismo, a imoralidade nas assembleias, as bebedeiras, jogatinas e danças, o sepultamento em vida de bebês do sexo feminino indesejados, entre outras coisas, este jovem que tinha o costume de ir a uma caverna meditar, afirmou que numa destas ocasiões recebeu um chamado de Deus para ser profeta. Segundo a tradição mulçumana, um anjo chamado Gabriel lhe revelou a vontade divina. Depois de treze anos de perseguição por parte dos líderes religiosos árabes, ele transferiu seu centro de atividades de Meca para Medina ao norte. Esta emigração tornou-se um marco importante na história islâmica, sendo esta data o ponto de partida no seu calendário.

Com o tempo Maomé como já era conhecido obteve domínio sobre Medina, tanto religioso como político. Daí em diante Maomé reunificou as tribos árabes, nascendo assim outra doutrina religiosa ensinando a submissão a Alá, um Deus único e todo poderoso que escolheu Maomé como seu principal profeta, e o conjunto de seus escritos, o Alcorão, como seu livro sagrado. Parecido com a fé cristã em alguns de seus ensinos, como de um Deus único, um livro sagrado e incentivo a uma vida devota a Deus, tal crença conquistou bilhões de adeptos, influenciando a vida e a religiosidade destas pessoas.

Este breve resumo da origem da religiosidade humana, desde os tempos primitivos passando pelas religiões greco-romana, cristã e islâmica nos leva a seguinte conclusão: a angústia e a ansiedade do ser humano devido a coisas que ele não consegue entender o induz a tentar achar na religião uma resposta que conforte sua inquietude. À medida que o ser humano evolui, a religião se torna também mais evoluída para suprir esta sociedade mais questionadora. Conforme notamos na história das religiões, o surgimento de novas tendências não raro acontece devido ao descontentamento de certas pessoas ou classes com o poder religioso então estabelecido.

Podemos ver um exemplo disso em Sidarta Gautama, ou Buda, como é popularmente conhecido. Insatisfeito com o sistema de castas do hinduísmo, religião predominante na Índia, Buda cria uma nova maneira de entender o sofrimento humano, disseminando esse ensino por onde passava, atraindo a si muitos discípulos. Da mesma forma Jesus criticou duramente os líderes religiosos judaicos, Maomé revoltou-se com certas práticas da religião árabe, Martim Lutero e João Calvino protestaram contra o poder exercido pelo catolicismo.

Portanto toda religião existente hoje se origina da insatisfação para com outra, que da mesma maneira surgiu do protesto para com outra e assim sucessivamente até chegarmos às religiões mais primitivas como o animismo e as religiões tribais, formas bem simples de adoração, que por fim tem suas origens no próprio ser humano, nos seus processos de raciocínio, suas necessidades, seus temores e neuroses. Toda e qualquer religião origina-se do ser humano, é desenvolvida e estabelecida pelo ser humano e reformada ou mudada devido à evolução do próprio ser humano. Qualquer afirmação de que existe uma orientação ou uma intervenção divina no surgimento de determinada religião, nada mais é do que uma tentativa do próprio ser humano de dar uma confirmação ou uma auto afirmação para sua fé. Visto que todas as manifestações religiosas são na realidade fruto da própria mente humana, nenhuma pessoa ou religião pode afirmar possuir a “verdade” sobre assuntos relacionados com a fé.

Adaptado por Aparecido de Bebedouro